Halim Neto
Halim Neto

Transformação digital do sistema judicial e suas implicações

Processos e sistemas digitais na justiça brasileira aumentam eficiência, facilitam acesso e garantem transparência – mas ainda há muito a evoluir

28/07/2020 08:35:57
Transformação digital do sistema judicial

Não foi rápido, mas a transformação digital chegou ao sistema judicial brasileiro prometendo alterar um cenário de lentidão e reiteradas críticas. Seja pelas pilhas de processos em papel se acumulando em fóruns ou pela falta de juízes para proferir todas as sentenças necessárias, o Poder Judiciário brasileiro amarga o rótulo de lenta e ineficiente.

Soma-se a isso o fato de o Brasil ser um dos países com maior número de processos em tramitação no mundo – 80 milhões em 2018, segundo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Um cenário que sem dúvida tem muito a ganhar com a adoção das tecnologias digitais.

No entanto a jornada digital da nossa justiça não é homogênea. Trata-se de um ambiente complexo, tanto em termos de legislação como de implantação de sistemas. O estágio evolutivo do processo judicial eletrônico no Brasil depende muito das instâncias pelo qual o sistema de justiça brasileiro é dividido e das regiões em que estão os tribunais.

Pode-se, no entanto, traçar uma linha de raciocínio a partir de mudanças de legislações e usando alguns exemplos. No nível federal, desde a instituição dos Juizados Especiais Federais pela Lei nº 10.259/2001, é permitida a prática dos atos processuais de forma totalmente eletrônica, sem a necessidade de apresentação de originais.

Também desde 2001 a Justiça Federal passou a contar com um sistema conhecido como e-Proc, que instituiu o processo eletrônico e eliminou o uso do papel e a necessidade de deslocamentos de advogados à sede da unidade judiciária para obter informações sobre processos. Todos os atos processuais passaram a ser realizados digitalmente, desde a petição inicial até o arquivamento.

No mesmo ano duas normas foram editadas para regular a validade, a autenticidade e a integridade dos documentos eletrônicos. A solução encontrada foram os certificados digitais, descritos na MP 2.200, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil. Já a Lei 10.358 alterou o Código de Processo Civil para permitir a prática de atos processuais por meio eletrônico.

Para que tudo isso fosse possível foi necessário primeiro definir um padrão de certificação digital válido para todo o país. Mas cada tribunal desenvolveu sistemas de certificação próprios, e levou anos até que houvesse a adequação dos atos processuais eletrônicos de acordo com as regras da ICP-Brasil.

Só em 2016, com a publicação da Lei 11.419, a informatização do processo judicial foi devidamente regulada. Ela é considerada o marco regulatório brasileiro no uso de meios eletrônicos para a tramitação de processos, comunicação de atos e transmissão de peças em todos os graus de jurisdição nos processos civil, penal e trabalhista.

Lento, mas vantajoso

Uma das principais consequências da informatização do sistema judicial, e que vai de encontro aos preceitos da Constituição Federal, é a celeridade e a transparência dos processos até o julgamento. Traduzindo, passos para atender a necessidade constitucional do cidadão de ter acesso a uma justiça rápida e eficiente.

Além disso, há uma redução de custos expressiva com impressões e logística de um processo – sem mencionar demais custos relacionados à tramitação, o que inclui as idas e vindas de advogados das partes interessadas. Para os advogados, escritórios e clientes o dinamismo do processo eletrônico é extremamente vantajoso.

Abandonam-se as longas filas, os protocolos em papel e os horários restritivos de atendimento. Um peticionamento eletrônico pode ser feito até a meia noite.

O processo eletrônico permite um acompanhamento das partes de forma mais direta e mais compreensível. Mesmo para não-advogados, o que é muito importante frisar: o acesso é transparente para o cidadão.

A digitalização afeta também o trabalho de organizações setoriais como a Abradisti. Na recente sentença favorável obtida pela entidade em ação sobre classificação tributária de placas de vídeo (GPUs), a digitalização do processo na fase final pode ter acelerado a sentença.

O processo, distribuído em 2013, tramitou até o fim de 2018 em papel. Levou quase seis anos para que fosse digitalizado, e dois para a promulgação da sentença a partir do momento em que entrou no ambiente digital.

A facilidade de acompanhar a tramitação e peticionar eletronicamente, entre outros recursos, trouxeram mais transparência no acompanhamento do processo e permitiram que a Abradisti traçasse a melhor estratégia. No futuro, espera-se que qualquer processo relacionado ao setor de TI e afete associados da Abradisti se beneficie da tramitação eletrônica.

Evoluções ainda necessárias

É importante ressaltar que o processo digital não impede o advogado de ter um contato com a vara ou o magistrado para eventuais sustentações orais ou despachos. São elementos que permanecem e têm legitimidade. Inclusive com a pandemia de COVID-19 verificou-se um uso cada vez maior de vídeos curtos de sustentação oral em processos tramitando virtualmente em tribunais superiores (STF, STJ e algumas comarcas). É um ganho de produtividade e financeiro.

Ainda há, no entanto, muito para ajustar, tanto sob a perspectiva cultural como operacional. Nesta primeira, a superação do papel e da materialidade do processo físico, muito embora o litígio impresso traga danos tanto ambientais como de processos. O segundo ponto é a integração entre os diversos sistemas utilizados na Justiça Federal, Justiça do Trabalho e Justiças Estaduais, que não são unificados e não conversam entre si.

Outro ponto crucial é relativo à segurança dos processos judiciais eletrônico, de modo a evitar e coibir fraudes. Os fraudadores também evoluíram, e por isso tantos escritórios investem em sistemas cada vez mais sofisticados de segurança para evitar o roubo de informações confidenciais. A Justiça Brasileira deveria fazer o mesmo.

Há ainda uma dificuldade basal: algumas varas em regiões afastadas do país enfrentam dificuldades estruturais para o processo judicial eletrônico, incluindo internet de qualidade. Políticas públicas nestas áreas que favoreçam a digitalização da justiça são necessárias, do contrário a migração jamais será totalmente nacional.

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